Hoje, na volta pelo parque encontrei o senhor Inácio. Fazia tempo que não o via.
O senhor Inácio é daqueles velhos carinhosos que sempre tem uma palavra amiga. Não queixam das suas doenças, não queixam da sua reforma, trazem sempre a calma pintada no rosto e fixam cada momento da sua velhice.
O senhor Inácio era carpinteiro, o melhor que já conheci. Fazia portas, janelas, escadaria, tectos, enfim, tudo que o cliente quisesse que fosse feito em madeira. E o senhor Inácio fazia-o bem. Ele adorava trabalhar a madeira. Quem visse o senhor Inácio esculpindo um qualquer pedaço de pau, se detia maravilhado como criança em tenda de circo. Parecia que a madeira, em conluio com seus dedos nus, se desfazia e se ajeitava na forma exacta e pretendida do artesão. Seus dedos pegavam sua dama, ainda tosca, e dançavam com ela. Primeiro, em passos desajeitados, depois em passos mais leves, e ainda mais leves, até que, por entre piruetas de cinderela, se finava a musica e uma nova, elegante e formosa peça se havia desnudado.
Era esta a magia da sua alegria. Nunca havia trabalhado por dinheiro. Na verdade, e segundo ele próprio num outro passeio me confidenciou, nunca sequer havia trabalhado - "comecei a brincar fazendo meus próprios carrinhos e acabo brincando em fazer os berços de meus netos".
Hoje, e mal me viu, sorriu logo e esta é sempre a melhor salvação que se pode receber num dia bonito como este em que as fitas do Sol fazem corridas por entre as folhagens.
- Viu ontem as notícias rapaz? - perguntou-me ele com os olhos brilhando.
- Vi senhor Inácio. - já sabia que ele estava a falar de uma reportagem que havia passado, onde se desvendava que as grandes empresas preferem funcionários com hobbies que revelassem iniciativa, solidariedade e dedicação.
- Viu o moço que falou? Ele era escuteiro, e o quiseram por causa disso. - O senhor Inácio sabia que eu também era escuteiro, chefe de meus pioneiros, fiel aos meus sábados à tarde passados com eles e entusiasta de uma boa actividade bem ao jeito de Baden Powell.
- Vi senhor Inácio, mas aquela empresa deve ser uma de poucas. Nas entrevistas de emprego que tenho ido, se digo que sou escuteiro, retorcem o olho e me perguntam logo se
isso ocupa muito tempo. Não tá fácil.
- Ora, - retorquiu o senhor Inácio - tem ido às empresas erradas. Já deu aulas, já andou de porta em porta a vender tv por cabo, é escuteiro e bom rapaz. Vai ver que daqui a nada tá a cair um emprego do céu pra voçê.
- Oxalá senhor Inácio. Tá difícil.
- O que voçê está procurando?
- Tou procurando trabalho senhor Inácio. Qualquer coisa que tenha a ver com vendas e que seja pra trabalhar em equipa. Sempre adorei isso. Detesto ficar parado no mesmo lugar o tempo todo.
Tenho curso de vendas e curso de professor, quero mais é ensinar, conviver, conhecer, evoluir...
- Continua tentando filho. Mais vale ficar velho brincando e feliz, que triste e esquecido.